
Há algum tempo, eu não lia livros nacionais, e achei que Tudo é Rio, da Carla Madeira, seria uma ótima forma de mudar isso, considerando todo o hype do livro nos últimos anos. Ele tem sido extremamente comentado, geralmente de forma muito positiva. Mas estava bastante enganada em achar que gostaria dele.
Tudo é Rio é um livro pequeno, com 210 páginas, mas que logo de cara avisa que deve ser lido devagar. Foi lançado em 2021 pela Record e rapidamente fez sucesso, participando de conversas literárias e grupos de leitura pelo país. Sucesso que só posso tentar entender por meio de teorias. Primeiro, vamos à história.
Conhecendo os personagens
Temos três personagens principais: Lucy, Venâncio e Dalva, que acabam formando um estranho triângulo amoroso. Lucy é a prostituta mais cobiçada da cidade, escolhe a dedo os homens com quem vai dormir e tem uma fila se estendendo para seus serviços.
Dalva e Venâncio costumavam ser um casal apaixonadíssimo, daqueles que chamam a atenção da cidade. No entanto, algo mudou. Agora, Dalva caminha todos os dias para um destino desconhecido, envolta por pesar e tristeza, e o casal já não é visto em público.
Voltamos ao passado para acompanhar a juventude desses personagens. Lucy viu sua mãe morrer cedo e foi criada por sua tia, uma católica rigorosa que a tratava com frieza. Suas duas primas eram favorecidas, enquanto Lucy ficava com as sobras.
Para irritar a tia, Lucy, que percebeu seu poder de sedução, iniciou um jogo com seu tio, a quem chamava de “rio”. Essa parte rendeu cenas de sedução estranhas enquanto a jovem fazia as tarefas domésticas. Um dia, ficou sozinha com o tio, e ele a incentivou a encontrar uma forma de sair daquela casa. A partir daí, decide virar prostituta, ainda virgem.
Aqui também é importante comentar a problemática da relação com o tio, mostrado como a única pessoa do núcleo familiar que sente algum tipo de carinho por ela, quase como um mentor que mostrou a ela sua vocação. Ele pode não ser tio de sangue, mas é marido da tia, e mantém esse tipo de relação sexual com essa jovem muito mais nova.
A jovem tinha todas as saídas controladas pela tia, então começou a seduzir os homens da cidade, iniciando pelo dentista. Depois de dormir com metade da cidade, é flagrada com o tio e expulsa de casa.
O amor de Dalva e a violência de Venâncio
Dalva era alegre, com uma família feliz, e conhecia Venâncio desde a infância. Ela se apaixona por ele quando o reencontra, já adulto. Venâncio tinha um pai abusivo e encrenqueiro. Por isso, sua mãe o mandou morar com a tia.
O casal se apaixona rapidamente, mas o ciúme de Venâncio logo se torna insuportável. Em seu aniversário, ele agride um amigo dela por ciúmes e, mesmo assim, propõe casamento. Dalva aceita, mesmo com os sinais de alerta.
O início do casamento é maravilhoso. Quando Dalva engravida, o ciúmes piora. Após o nascimento, ao vê-la amamentando, Venâncio joga o filho longe e espanca a esposa. Age pior do que o próprio pai. Leva o bebê morto para ser enterrado sem cerimônia alguma.
Dalva então silencia. Não denuncia, não fala com a família ou com o padre. Abandona a fé e para de enxergar beleza no mundo. Não sai da cidade e permanece nesse ciclo.
Venâncio, agora “coitado”, vai procurar conforto na casa de prostitutas onde Lucy trabalha. Mas ele resiste a ela, o que a deixa obcecada. Para ela, diferente dos outros, ele não cede. Enquanto isso, Lucy rejeita os demais clientes e se fixa em Venâncio.
O bordel também rende cenas bastante gráficas, desnecessárias. A trama evolui para absurdos cada vez maiores. O final, então, me deixou ainda mais indignada.
Problemas de representação e a romantização da violência
Tudo é Rio é um livro que culpa a vítima, considera o silêncio como punição suficiente para crimes graves e romantiza violência doméstica e infanticídio. São muitos os problemas.
Dito isso, realmente não entendi a popularidade do livro. Achei bastante fraco e limitado. Não é uma obra que se propõe a criar diálogo ou trazer contrapontos sobre os acontecimentos narrados. Apenas joga esses eventos no colo do leitor, de forma inconsequente.
É importante debater o que consumimos na literatura, e essa obra, apesar de muito elogiada, precisa ser olhada com criticidade. Por isso, não recomendo a leitura.
Nota: 3,0 /10
(por sua coragem e risco, eu avisei)
Deixe um comentário